segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Tartarugas: Volta pra casa


No último dia levantamos lá pelas 4 da manhã, para arrumar o resto das coisas no carro e partir. Antes de sairmos fui dar tchau pro mar e tentar ver o nascer do sol. A primeira tarefa foi fácil, a segunda foi mega FAIL.


Antes de pisar na areia existe um calçadão em que as pessoas usam para caminhar, desfilar seus belos corpos, tirar o sal da água, etc. Entre o calçadão e praia (como se fosse um degrau) vi coisas se mexendo no mato e na areia. Olhei mais atentamente e vi que eram filhotes de tartaruga que, provavelmente, desovaram por ali. Mas penso também que elas desovaram longe do mato, pois elas não caminhavam em direção ao mar, muito pelo contrário. Como algumas foram se embrenhar no mato ainda é um enigma pra mim.

A área sombreada de vermelho indica o local onde encontrei as tartarugas

Ao perceber o que era levei um susto. Foi como se a natureza me desse um choque com taser no cérebro. Congelei no tempo e pensei no que ia fazer. Voltei correndo pra casa, que felizmente ficava a 3 minutos do mar (beijo no ombro), e fui chamar meu primo. Antes falei com a minha mãe que haviam tartarugas na praia, mas minha intenção era de chamar alguém mais novo para meu plano, que era de levar os filhotes para o mar.

Voltamos correndo para a praia. Como disse, haviam filhotes embrenhados numa baixa vegetação (tipo a da imagem ao lado), e que se não houvesse intervenção humana acredito que seria impossível do filhote se libertar sozinho. Além disso, havia uma espécie de siri com um filhote entre as garras. Ao chegarmos na praia comecei a tirar os filhotes que estavam no mato, pois deviam estar lutando a mais tempo para sair. E meu primo, indignado com o siri... você pode imaginar a cena. Ele libertou a tartaruga. Delicadamente, e transpirando como nunca transpirei, de nervosismo e de ficar de cócoras, quase sentando no chão, fui tirando os filhotes e colocando-os num lugar sem vegetação para que meu primo os pegasse e os levassem para próximo ao mar. Felizmente meu primo é um garoto inteligente e fez exatamente o que eu imaginava e instruí.

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Nesse meio tempo, minha mãe e tio tentavam entrar em contato com o povo do Projeto Tamar. Minha mãe conseguiu falar ao telefone com um moço. Ela informou o que estava acontecendo. Também disse que estava indo embora, e que não sabíamos se havia mais desovas na praia. O moço disse que iria entrar em contato com o grupo de apoio local. Espero que eles tenham aparecido. 

Acredito que tirei mais de 60 filhotes do mato e que estavam longe do mar. Fiz questão de levar os últimos e deixá-los próximos ao mar. É uma cena impagável. Infinitamente melhor do que ver Globo Mar/Natureza/Rural/Repórter e semelhantes. Eles iam com sede ao mar, como se soubessem (claro que sabiam) o que estava acontecendo e ouvindo as ondas. Tomavam caldo das ondas, mas continuavam persistentes em chegar no mar. Não pude observar tudo, pois precisávamos partir. Não fiquei chateado, não tanto para sentir ódio, pois aproveitei o momento. Tanto que estava exausto.

Após colocá-las no mar, antes de entrar no carro, quis ter certeza de que não havia mais filhotes escondidos na vegetação. Parti com a consciência tranquila de que não havia. Pelo menos não no local em que as vi pela primeira vez. Entrei no carro exausto e durante um longo tempo de viagem refleti sobre a vida animal. É um mix de tristeza e beleza. Tristeza pela falta de assistência imediata dos responsáveis pelo cuidado da fauna marítima local e pelo "ciclo da vida", e beleza pelo momento e oportunidade quase que única e impagável. Foi uma experiência incrível.

Gostaria muito de saber qual era a espécie dos filhotes. Em pesquisa no site do Projeto Tamar, acho que é da espécie Caretta caretta (também conhecida como Cabeçuda ou Mestiça). Na dúvida, me lembro que a carapaça é de cor azul marinho escuro, e a pele com um tom mais escuro do que a carapaça, tipo a imagem a cima. Infelizmente, leitor, as imagens postadas são da internet. Foi tudo muito rápido e desesperador que não pensei em foto. Quando parei pra pensar elas já estavam na água. Eu sei... mas ficar remoendo dói mais. Me consolo dizendo que foi sobre sentimentos e não sobre visual. As imagens que postei aqui das tartarugas representam o que eu vi.

Se foi a atitude certa ou errada em levá-las para o mar eu não sei. Só sei que foi um impulso enorme (tipo sair de casa quase do nada para rever Pacific Rim). Eu não pensei, só agi. "Por que não pegou uma?" Primeiramente não acho adequado. E depois o carro estava lotado, e acredito que o filhote ia morrer na viagem.

Desejo a todas as pessoas de bem, principalmente os amantes da natureza, eu também curto um CO2 na atmosfera, sorry, que passem por essa, ou uma melhor, experiência. A reflexão é enorme e engrandecedora. São criaturas tão indefesas que a interferência do homem nesse aspecto faz repensar toda a vida. Se bem observado o que acontece no mundo não é preciso passar por uma experiência como essa para começar a pensar a respeito.

"Já foram detectados pontos de desova das tartarugas marinhas em Marobá, Praia das Neves e próximo à foz do Rio Itabapoana. O município é mapeado pelo Projeto Tamar e pode receber uma base de apoio no litoral. "
Vi aqui.

#chateado